Caro Zé,
Caro Aníbal,
o meu nome é Ana e nasci em Lisboa, mas vivi no Porto quase toda a minha vida. Foi lá que cresci, junto ao rio e ao mar; foi lá que estudei e aprendi tudo o que sei; foi a Norte que passei todas as minhas férias e foi também lá que me ensinaram os valores que hoje me regem.
Foi a Norte que me ensinaram que não se cruza os braços perante a adversidade; foi a Norte que me mostraram que, quando o ser-humano deixa que as mordaças da hipocrisia lhe calem a voz, perde terreno importante para as trevas da exploração; foi a Norte que percebi que a Honra tem muito mais a ver com a forma e a força com que arregaçamos os braços para trabalhar e ajudar o próximo, do que com a gravata que escolhemos para receber um cargo com o qual, afinal de contas, não sabemos bem o que fazer; foi lá em cima que sempre ouvi que não podemos deixar de lutar contra aqueles que nos pisam, que nos oprimem, que nos limitam, que nos reduzem a pouco quando somos muito. Tudo isto aprendi pela boca de pessoas várias, unidas em torno de valores comuns e de uma herança de combatividade (não apenas pela região, mas principalmente pelo próprio país); pessoas de diferentes cores políticas, profissões, estratos e condições sociais; pessoas que às vezes nem sabiam a importância do que me estavam a transmitir; pessoas que falam com o coração na boca e que, se tivessem o país nas mãos, fariam de nós algo ainda maior do que o que agora somos. Só porque sim – só porque os seus antepassados o fizeram sempre.
Tal como disse no início desta carta, foi no Norte que estudei. Mas não foi no Norte que arranjei emprego. Não é no Norte que estou a conseguir desenvolver-me e criar riqueza para o meu país. Não é a terra onde nasci que Norteia as minhas escolhas, nem é lá (ainda) que posso contribuir com as minhas capacidades, explorar o meu potencial ou rentabilizar a minha energia.
É que a Norte não há emprego. A Norte há poucas possibilidades de receber um bom salário. A Norte somos constantemente alvo dos caprichos da capital e acabamos sempre a pagar as favas dos amuos da vossa gente quando sente os bolsos mais leves. A Norte somos pior servidos de transportes e na prática acabamos por pagá-los mais caros. A Norte temos que fazer duplo-esforço para lutar contra o isolamento cultural e artístico e estóicamente ultrapassar violentos ataques e barreiras ao renascimento e desenvolvimento das indústrias que, um dia, alimentaram o país – isto é hoje tão evidente, que só não o vê quem, como os senhores, pura e simplesmente não quer.
Eu não me estou a queixar. Eu tenho dois braços, duas pernas, uma voz potente e três ou quatro capacidades que, certamente, me proverão o sustento mais tarde ou mais cedo. A Norte, pois claro. (Se tiver que ser a Sul, pois que seja, de fome não morrerei – mas o meu coração continuará no Norte e jamais me venderei como tantos dos vossos colegas de mexerico político). Basta os senhores olharem à história e terão diversas provas de que aqui em cima sempre estivemos bem acordados. Repito, não me estou a queixar, porque sei que mais dia, menos dia, esta situação terá um fim. O Norte será Norte e continuará a ser Portugal, mas um Portugal que não baixa a cabeça ao poder central e nem se governa pelo desgoverno que vem da Capital. Só mais uma vez, para que fique bem claro: eu não me estou a queixar – estou apenas a avisar. Junto a minha voz às de tantos outros que têm vindo a fazer avisos semelhantes, por motivos que, entre outros, se prendem com a subsistência e dignidade de uma Juventude que se recusa a apodrecer calada.
Estarão agora os senhores a pensar: “Bolas, a miúda está revoltada!”. Estou sim, meus senhores. Estou eu e os meus irmãos; o meu namorado; os meus vizinhos; os meus amigos; os amigos do meu namorado e os amigos dos meus amigos; os meus colegas de curso; os meus colegas de trabalho (temporário, claro); os meus companheiros de autocarro e de metro; os meus tios, primos e avós; todos os amigos e colegas deles; os meus pais e os seus amigos…somos muitos. E seremos cada vez mais.
Só para acabar, uma última ressalva: os senhores lembrem-se de que não estão a brincar com tostões. Estão a brincar com a vida de pessoas unidas pelo orgulho de, historicamente, sempre terem aceite de peito aberto a luta pela dignidade. Repito: de peito aberto; coração na boca; e o Mundo nas mãos.
Não roubo mais do vosso precioso tempo. Fá-lo-ei, certamente, com o próximo boletim de voto que me chegue às mãos.
Aquele abraço de fair-play,
Anita*
(via anita na cee)
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